A música sempre nos presenteou com imagens icônicas. Algumas capas de álbuns, em particular, transcenderam o papel de mero invólucro para se tornarem parte da própria narrativa artística. Contudo, poucas geraram tanta controvérsia, choque e debate quanto a capa de “Season of Glass”, lançado por Yoko Ono poucos meses após o assassinato de John Lennon, em 8 de dezembro de 1980.
A imagem em questão é de uma simplicidade brutal e devastadora: os óculos de John Lennon, as lentes quebradas, repousando sobre um fundo branco. Ao lado, uma perspectiva da sétima janela do edifício Dakota, o local da tragédia. É um registro cru de um trauma recente, um testemunho silencioso da violência que ceifou a vida de Lennon. Apesar de sua força visceral, esta capa passou despercebida por muitos ao longo dos anos, e quando lembrada por jornalistas da época, a reação era quase unânime: “horrível, não é?”.
A Imagem Que Quebrou o Silêncio
A ausência de figuras ou elementos musicais tornava a capa ainda mais perturbadora. Era um retrato de um luto em sua forma mais crua, quase voyeurística. Os óculos, retirados do corpo de Lennon após o assassinato, não eram apenas um objeto; eram um artefato macabro, forçando o espectador a confrontar a realidade da perda. A vista da janela do Dakota adicionava contexto, mas também uma sensação de invasão, transformando a capa em um documento visual de um evento traumático.

Yoko Ono e a Tempestade Pública
A impopularidade da capa foi, em grande parte, um reflexo da impopularidade de Yoko Ono na época. Para muitos, ela era vista como a figura que “separou os Beatles” e que, de alguma forma, controlava Lennon. Seu gesto na capa do álbum foi interpretado por parte do público e da crítica como mais uma evidência de uma carreira que parecia “lucrar” com o relacionamento com John, uma exploração insensível de uma tragédia que comoveu o mundo.
A gravadora, ciente da má recepção, pediu a Yoko que alterasse a capa, mas ela se recusou, firme em sua visão. Essa resistência só aumentou a reprovação pública, enraizada em um sentimento de “posse” que as pessoas sentiam sobre John Lennon. Sua morte foi uma perda pessoal para milhões, e a forma como Yoko Ono escolheu expressar essa dor foi percebida como uma afronta ao luto coletivo, como se estivesse usurpando a memória de um herói.
Arte, Luto e a Fratura da Percepção
Para Yoko Ono, no entanto, a intenção era profundamente diferente. Ela descreveu a imagem como uma expressão “muito, muito suave” do que havia testemunhado e sentido. Para ela, a capa era uma representação honesta e visceral de seu próprio luto e da violência da realidade que enfrentou. Era uma tentativa de compartilhar a profundidade de sua dor, não de explorá-la.
A dicotomia entre a intenção da artista e a recepção do público é um estudo fascinante. Yoko estava expressando sua dor de maneira autêntica, mas que colidia com as expectativas de um público já resistente à sua figura. Os óculos quebrados tornaram-se um símbolo da fratura não apenas na vida de John, mas na percepção da própria Yoko, levantando questões sobre os limites da arte e do que é considerado de bom gosto, especialmente em tragédias envolvendo ícones.
Mais de quarenta anos depois, a capa de “Season of Glass” continua a ser um ponto de discórdia e fascínio. Os óculos de John Lennon na capa do álbum de Yoko Ono permanecem como um poderoso lembrete de um dos momentos mais sombrios da história da música. Eles simbolizam a complexidade do luto público, a vulnerabilidade da memória de ícones e o eterno debate sobre a linha tênue entre arte, dor e a percepção coletiva. Seja vista como exploração ou como uma expressão crua da dor, a imagem deixou sua marca indelével, provocando reflexão sobre como lidamos com a perda de nossos heróis e a potência de suas memórias.







