A indústria musical está em constante metamorfose, impulsionada por avanços tecnológicos e mudanças culturais que redefinem a forma como a música é criada, distribuída e consumida. Nos próximos 10, 20 ou até 30 anos, podemos esperar transformações ainda mais profundas que impactarão desde o papel das grandes gravadoras até o surgimento de novas estéticas musicais. Vamos explorar seis previsões que prometem moldar o futuro desse universo vibrante.
1. O Declínio da Relevância das Gravadoras Tradicionais
Historicamente, as gravadoras eram pilares indispensáveis na indústria musical. Antes da era da internet, a gravação e distribuição de música eram empreendimentos caros e logisticamente complexos. Artistas dependiam das gravadoras para financiar estúdios, produtores, músicos de sessão e, principalmente, a fabricação de discos físicos e fitas cassete. Era um “mal necessário” que dava às gravadoras uma fatia massiva dos lucros e controle sobre o trabalho dos artistas.
No entanto, com a democratização do acesso à tecnologia de gravação e distribuição digital, esses custos caíram drasticamente na indústria musical. Hoje, um artista pode gravar um álbum de qualidade em casa e distribuí-lo globalmente através de plataformas digitais com um investimento relativamente baixo. Essa mudança de paradigma significa que a necessidade de uma empresa controlando a música puramente por razões financeiras está se dissipando.
Um exemplo emblemático dessa mudança na indústria musical, é a atitude de Taylor Swift, que regravou seus álbuns antigos para reassumir o controle dos direitos autorais de suas gravações originais. Na música, existem dois tipos de direitos autorais: o da composição (a música em si, que geralmente permanece com o compositor ou editora) e o da gravação master (a versão específica daquela música). No passado, as gravadoras que financiavam as gravações detinham esses direitos, o que significava que, mesmo após deixar a gravadora, o artista perdia controle significativo sobre suas próprias obras.
A estratégia de Taylor Swift mostra como o ambiente atual de streaming permite que os artistas peçam a seus fãs para simplesmente mudarem para a nova versão da música em suas plataformas favoritas – um custo zero para o fã e um movimento estratégico que redireciona o fluxo de receita das gravadoras para o próprio artista. Essa ação audaciosa não só empodera o artista, mas também expõe a fragilidade do modelo tradicional de controle das gravadoras. No futuro, as gravadoras provavelmente se transformarão em empresas de distribuição e marketing, com uma fatia muito menor dos lucros, oferecendo serviços de networking e impulsionando o que o artista já faz de forma independente.
2. O Impacto Multifacetado da Inteligência Artificial
A Inteligência Artificial (IA) é, sem dúvida, uma das forças mais disruptivas que moldarão a indústria musical. No entanto, seu impacto será desigual em diferentes segmentos.
Para a música comercial, como trilhas sonoras para anúncios, videogames ou produções audiovisuais genéricas, a IA generativa promete uma revolução. Imagine um produtor de TV ou um executivo de publicidade que precisa de uma trilha sonora específica: basta digitar algumas palavras-chave descrevendo o clima e o estilo desejados, e a IA gera uma peça musical pronta para uso. Essa música, muitas vezes concebida para ser um “pano de fundo” e não para ser notada por sua originalidade, é o cenário perfeito para a aplicação da IA. Isso pode eliminar a necessidade de pagar royalties a compositores humanos para músicas de “preenchimento comercial”, resultando em cortes de custos significativos. Compositores que se dedicam hoje à música de biblioteca podem ver seu mercado drasticamente reduzido nas próximas três décadas.
Por outro lado, a IA terá um papel diferente na criação da música para entretenimento e expressão artística. Embora possamos ver uma “onda” ou uma “moda” de músicas geradas ou assistidas por IA, onde plug-ins e ferramentas generativas criam sons e texturas inovadoras, a essência da arte humana permanecerá insubstituível. A música que nos conecta, que evoca emoções profundas e com a qual nos identificamos, é a música que carrega a humanidade do artista.
Os artistas continuarão usando a IA como uma ferramenta: para gerar ideias, mixar automaticamente, ou criar sons específicos. Mas a alma, a história e a vulnerabilidade que nos fazem ouvir um artista como Taylor Swift – sua biografia, suas letras pessoais, a conexão que criamos com sua persona – são elementos que a IA não pode replicar. A IA pode criar sons, mas a arte, a conexão humana, ainda será forjada por humanos para humanos.
3. O Retorno Triunfal das Bandas
Nas últimas duas décadas, notamos uma mudança clara nas paradas de sucesso: de grupos e bandas, o foco se deslocou quase que inteiramente para artistas solo. Esse fenômeno é, em grande parte, uma consequência direta da ascensão da gravação caseira. Artistas como Billie Eilish, que cresceram em um mundo onde é possível produzir música de alta qualidade sem sair de casa, não têm a mesma necessidade de formar uma banda para criar e gravar. Antigamente, a colaboração em banda era essencial porque a gravação exigia um estúdio e a união de vários músicos.
Embora não haja nada inerentemente errado com a música focada em artistas solo, essa tendência naturalmente fomenta um estilo musical mais introspectivo e de “cantor-compositor”. As bandas, por sua vez, tendem a produzir uma música mais dinâmica, com múltiplas camadas instrumentais e uma energia que muitas vezes só pode ser alcançada com a interação de vários músicos em tempo real.
A previsão é que, puramente por uma questão de moda e estética, as bandas voltarão a estar em voga. Depois de 10 ou 20 anos dominados por artistas solo, o público e os próprios músicos começarão a buscar algo diferente. Haverá um olhar nostálgico para a música dos anos 90 e 2000, e a ideia de estar em uma banda, de criar música colaborativamente e de ter a dinâmica de múltiplos membros no palco, se tornará novamente atraente. Essa mudança pode revitalizar gêneros e formatos que ficaram em segundo plano, injetando uma nova onda de criatividade e energia na indústria musical.
4. O Domínio da Tecnologia Wireless nos Equipamentos Musicais
Qualquer músico que já montou um show sabe o suplício de lidar com uma teia infinita de fios. Cabos de microfone, cabos de guitarra, cabos de teclado, cabos de mesa de mixagem – a lista é longa. Embora a tecnologia wireless já esteja presente em alguns equipamentos, como guitarras e in-ear monitors, ela ainda não é o padrão universal.
Acredito que, nas próximas décadas, a tecnologia wireless se tornará a norma na indústria musical. Isso significa que instrumentos como teclados e até mesmo mesas de mixagem terão capacidades wireless integradas, seja via Bluetooth, rádio frequência ou outras tecnologias avançadas. A ideia de “ligar e tocar” se tornará uma realidade: chegar ao local do show, ligar seus equipamentos e ter tudo se conectando automaticamente, sem a necessidade de centenas de cabos.
Embora desafios como latência e problemas de conectividade precisem ser superados, os benefícios são imensos. A montagem e desmontagem de palcos será drasticamente simplificada, a mobilidade dos músicos será maximizada e a estética visual dos shows será mais limpa. Essa evolução não só tornará a vida dos músicos mais fácil, mas também abrirá portas para novas possibilidades de performance e cenografia em apresentações ao vivo.
5. Rock Clássico no Caminho do Jazz: Um Gênero Especializado
Minha última previsão, e talvez a mais polêmica para muitos, é que o rock clássico seguirá o mesmo caminho que o jazz: se tornará um gênero especializado, deixando de ser uma força dominante no mainstream.
Pense no jazz. Em sua época, foi a música pop. Era onipresente nas rádios, nos clubes e nas casas. Hoje, o jazz é um gênero respeitado e vibrante, mas que opera em um espaço paralelo ao mainstream. Você vai a festivais especializados de jazz, encontra artistas dedicados ao gênero e reconhece que ele tem seu próprio nicho de admiradores.
O rock dominou a cultura popular na segunda metade do século XX e início do século XXI. No entanto, sua relevância no mainstream tem diminuído progressivamente. Acredito que estamos agora em um ponto onde o rock está se tornando, como o jazz nos anos 70, uma “música de velho” – no sentido de que atrai principalmente um público mais maduro e nostálgico.
Eventualmente, o rock clássico se tornará uma música de nicho, assim como a música clássica ou o jazz. Haverá festivais dedicados, clubes especializados e artistas que se dedicam exclusivamente ao gênero, mas ele não ocupará mais o centro da cultura pop. Embora eu possa estar errado – e em parte, gostaria de estar, como fã de rock –, as tendências apontam para uma fragmentação cada vez maior dos gêneros musicais, com o rock encontrando seu lugar em um ecossistema mais diversificado e segmentado da indústria musical.
6. O Fortalecimento da Teoria Musical como Investimento Crucial
Em um cenário de tantas mudanças e inovações tecnológicas, onde a indústria musical se reinventa a cada dia, há uma constante que permanecerá inabalável: o valor de aprender teoria musical. Independentemente das ferramentas que surgem – sejam sintetizadores de última geração, DAWs complexas ou IAs generativas –, a compreensão dos fundamentos da música é um ativo inestimável para qualquer músico.
A teoria musical fornece a linguagem subjacente que une todas as formas de música. Conceitos como consonância e dissonância, equivalência de oitavas, harmonia, melodia e ritmo são os bloces de construção da percepção musical humana. Entender esses elementos permite que o músico não apenas compreenda como a música funciona, mas também a crie de forma mais intencional e expressiva.
Mesmo com a ascensão da IA na composição, a teoria musical capacita o artista a guiar e refinar as criações algorítmicas, transformando-as em algo verdadeiramente artístico e com propósito. Ela oferece a capacidade de quebrar regras de forma eficaz, de inovar dentro de estruturas existentes e de se comunicar com outros músicos de forma mais eficiente. No futuro, onde a tecnologia automatizará muitos aspectos técnicos, a profundidade do conhecimento musical será o que diferenciará os verdadeiros criadores e inovadores. Portanto, investir em teoria musical continuará sendo uma das decisões mais valiosas para qualquer profissional da indústria musical.