David Gilmour, o lendário guitarrista do Pink Floyd, é um dos poucos músicos cuja genialidade é indiscutível. Ao longo da era de ouro da banda, ele entregou solos que pareciam vir de um outro plano, com uma pureza de gosto tão sublime que seria impensável para qualquer produtor pedir uma segunda tomada. Contudo, mesmo que muitas de suas performances de guitarra sejam icônicas e gravadas na memória, a perfeição nem sempre significa repetição nota a nota para ser algo fantástico.
A Dualidade da Performance: Estúdio vs. Palco
Embora as músicas do Pink Floyd possuam um fluxo coeso e grandioso, tocar tudo exatamente igual, nota por nota, pode se tornar uma tarefa exaustiva e até mesmo tediosa para o artista, show após show. As grandes bandas de jam, por exemplo, compreenderam desde cedo que sua música era uma entidade viva, em constante evolução a cada performance. Para esses grupos, era crucial tocar o que sentiam no momento, em vez de se esforçar para reproduzir cada nuance gravada em estúdio.
No entanto, a expectativa do público é um fator poderoso. Há sempre uma parcela de fãs que se sentiria frustrada se não ouvisse as músicas de seus ídolos exatamente como as conhecem. Pense nos Eagles: por mais que a banda tenha conquistado o direito de se apresentar como quiser, ninguém gostaria de passar por cada verso melancólico de ‘Hotel California’ apenas para ouvir Joe Walsh improvisar com a melodia, sem as partes harmonizadas que se tornaram sua marca registrada. Há um limite tênue entre inovação e desapontamento.
David Gilmour: Entre a Fidelidade e a Inovação
David Gilmour, com sua sabedoria musical, sabia muito bem quando escolher suas batalhas quando o assunto eram seus solos. Muitos de seus momentos mais brilhantes o viam servindo à música de forma altruísta, similar ao que George Harrison fazia nos Beatles, onde o solo é uma parte integrante da canção, e não um mero exibicionismo. Contudo, em peças mais experimentais como ‘Echoes’, ninguém lhe dava instruções específicas sobre como criar os ruídos estranhos e as texturas sonoras que permeiam a seção intermediária da música. Ali, sua liberdade era total, e sua criatividade, sem limites.
Quando Roger Waters tinha uma ideia clara, no entanto, ele não se contentava com improvisos desajeitados de David Gilmour. Waters sabia que ‘The Wall’ seria sua obra-prima, e mesmo que o espírito de colaboração não fosse o ponto forte daquele período, David Gilmour compreendeu que precisava entregar algo do qual pudesse se orgulhar em uma música como ‘Comfortably Numb’. O solo final dessa canção, em particular, precisava ser algo grandioso e memorável.
O Enigma de “Comfortably Numb”: Um Solo Sem Regras
Enquanto o primeiro solo da canção é praticamente um gancho melódico, o guitarrista revelou que não sentia necessidade de repetir o que havia feito no estúdio para o segundo solo. Ele explicou: “Eu simplesmente gosto que comece como começa, e o resto está tão arraigado em mim que as várias partes sempre encontrarão seu caminho no que estou fazendo. Mas eu nunca o aprendi. Quero dizer, há muitos caras que conseguem tocar isso. Mas eu não o toco. Para mim, é apenas diferente a cada vez. Por que eu o faria igual?”
É verdade que existem versões estelares de guitarristas que reproduzem o solo nota por nota, com perfeição técnica impressionante. No entanto, sempre que David Gilmour tocava a melodia ao vivo, parecia um animal completamente diferente. Por mais fantástica que seja a versão do álbum, os solos que ele apresenta no álbum ao vivo ‘Pulse’ e sua performance no Live 8 são tomadas estelares da mesma música, mesmo que não sejam idênticas à gravação original.
Seja como for, o fato de ele sempre mudar e adaptar as coisas torna a música ainda melhor a cada apresentação ao vivo. Ninguém sabe realmente o que esperar quando David Gilmour está tocando aquela canção, mas quando o solo finalmente decola, é uma das poucas experiências na história do rock que te faz sentir como se estivesse entrando em uma nave espacial. É a magia da imprevisibilidade de um mestre.







