O mundo da música, com seu dinamismo e criatividade, é também um terreno fértil para as mais variadas disputas, especialmente as de direitos autorais. Um dos casos mais complexos e que tem chamado a atenção do público, especialmente no Brasil, é a acusação de plágio musical envolvendo a aclamada cantora britânica Adele e o compositor brasileiro Toninho Geraes. A disputa judicial, que se arrasta desde 2021, levanta questões cruciais sobre o que realmente constitui plágio, onde termina a inspiração e onde começa a cópia, e como a propriedade intelectual é protegida na indústria musical global.
O Processo de Plágio: Resumo e os Fatos Mais Recentes
A controvérsia central gira em torno da canção “Million Years Ago”, do álbum “25” de Adele (2015), que Toninho Geraes acusa de ser um plágio de sua obra “Mulheres”, imortalizada na voz de Martinho da Vila. A batalha legal tem sido marcada por reviravoltas significativas. Em 2024, a Justiça do Rio de Janeiro chegou a ordenar a suspensão da canção de Adele em plataformas de streaming e rádios, impondo uma multa diária por descumprimento. Contudo, essa decisão foi revertida e a música retornou aos serviços de reprodução, com a gravadora Universal Music argumentando que ambas as faixas utilizam um “clichê musical” ou um padrão harmônico comum.
A mais recente e surpreendente decisão judicial, datada de 17 de julho de 2025, transferiu o processo para uma vara empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo. A juíza responsável justificou a mudança alegando que um processo anterior já indicava São Paulo como a jurisdição correta, e que o caso de plágio seria anexado a outro procedimento que busca determinar a autoria da canção. A defesa de Toninho Geraes, no entanto, não aceitou a decisão e anunciou que irá recorrer. Os advogados Fredímio Biasotto Trotta e Debora Sztajnberg criticaram a mudança, argumentando que a magistrada desconsiderou evidências técnicas contundentes e que nenhuma das partes possui domicílio em São Paulo. Determinado, Toninho Geraes reafirmou sua intenção de “recorrer e lutar” até o fim. Além do processo de plágio, o caso também escalou para a esfera criminal, com um inquérito policial em andamento que investiga uma possível falsificação de assinaturas nas procurações de Adele durante uma audiência de conciliação. Toninho Geraes, inclusive, já prestou depoimento sobre o assunto.
Perícias e Análises Técnicas: O Coração da Disputa
Para compositores e músicos, o caso de Adele e Toninho Geraes é uma aula sobre a importância das provas técnicas. A acusação de Geraes é sustentada por laudos detalhados que buscam demonstrar a similaridade entre as duas músicas, indo muito além de uma simples “coincidência”. O laudo mais recente foi elaborado pelo renomado músico e guitarrista Rafael Bittencourt, fundador da banda Angra, a pedido da própria defesa de Geraes.
A análise de 25 páginas, que se soma a testes anteriores que já apontavam para 85% de similaridade, destaca diversos pontos cruciais: uma progressão de acordes que, segundo Bittencourt, é idêntica em ambas as canções. Ele rebate a tese de “clichê musical”, argumentando que a escolha harmônica não é um padrão comum, mas sim uma “escolha criativa da obra copiada”. Além disso, o laudo aponta semelhanças na estrutura melódica e nas pausas vocais, com a introdução de “Mulheres” sendo supostamente replicada e usada no refrão e no final da música de Adele. O ponto mais intrigante da análise de Bittencourt é a conexão fonética que ele traça entre os títulos das canções. Ele aponta uma semelhança sonora entre a palavra “mulheres” e a expressão “million years”, especialmente quando pronunciada com o sotaque britânico de Adele. Tais evidências, se comprovadas em juízo, poderiam fortalecer enormemente o caso de plágio.
Lições para Músicos e Compositores: A Proteção Contra o Plágio
A crescente incidência de casos de plágio na música, exemplificado não apenas por Adele, mas também por artistas como Ed Sheeran, ressalta a necessidade de os compositores adotarem medidas rigorosas de proteção. A lição mais valiosa é documentar todo o processo criativo de maneira meticulosa e transparente.
Ed Sheeran, por exemplo, após enfrentar múltiplos processos, revelou que filma todas as suas sessões de gravação. Sua justificativa é ter uma prova irrefutável de sua autoria independente. Diante das dezenas de milhares de músicas lançadas diariamente, a coincidência é, de fato, inevitável, como ele mesmo argumenta. No entanto, ter a documentação serve como uma poderosa ferramenta de defesa. Além de filmar as sessões, músicos podem e devem registrar suas obras em órgãos de direito autoral, como a Biblioteca Nacional no Brasil, manter registros detalhados do processo de composição (demos, rascunhos, anotações com datas) e, se possível, ter testemunhas do processo de criação. A transparência na origem da obra é a melhor defesa.
A história de Ed Sheeran é um lembrete vívido da complexidade e subjetividade desses casos. Ele foi processado por canções como “Photograph” e “Thinking Out Loud”, mas em muitos casos, como este último, conseguiu provar sua autoria e a originalidade da obra. O caso de “Thinking Out Loud” contra a família de Ed Townsend, coautor de “Let’s Get It On” de Marvin Gaye, foi uma batalha legal de quase uma década que Sheeran venceu em duas instâncias, com um júri de Nova York e a Suprema Corte dos EUA decidindo a seu favor. Ele argumentou que a progressão de acordes era um “bloco de construção” comum na música pop e que as obras não eram substancialmente semelhantes.
A batalha de Adele contra Toninho Geraes está longe de ser finalizada e continua a ilustrar as nuances do direito autoral na música. O desfecho do caso será crucial e poderá estabelecer um novo precedente sobre o que realmente configura plágio musical em um mundo onde a inspiração flui livremente e a coincidência é, por vezes, inevitável.
Por que Toninho Geraes está processando Adele?
Toninho Geraes, autor da canção “Mulheres”, acusa Adele de plágio na sua música “Million Years Ago”. Ele alega que a progressão de acordes, a estrutura melódica e até mesmo as pausas vocais são muito semelhantes.
Qual a prova mais forte da acusação?
Um laudo técnico elaborado pelo músico Rafael Bittencourt aponta uma progressão de acordes idêntica entre as duas canções e uma similaridade de 85% em outros aspectos. Ele argumenta que isso não pode ser considerado coincidência, rebatendo a defesa de que seria um “clichê musical”.
O que aconteceu com a música “Million Years Ago”?
A música chegou a ser suspensa das plataformas digitais e rádios no Brasil por uma determinação judicial, mas a decisão foi revertida posteriormente e a canção retornou aos serviços de streaming.
Onde o processo está sendo julgado atualmente?
Recentemente, a Justiça do Rio de Janeiro decidiu transferir o processo para uma vara empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma decisão que a defesa de Toninho Geraes contestou e anunciou que irá recorrer.
O que um músico pode fazer para se proteger do plágio?
A principal recomendação é documentar rigorosamente todo o processo criativo, seja através de filmagens, anotações, demos ou rascunhos datados. Além disso, é essencial registrar a obra em órgãos de direito autoral assim que a composição estiver finalizada.







