O encontro entre a música e a literatura tem sido uma fonte inesgotável de inspiração ao longo dos séculos. Músicos, em busca de novas narrativas e emoções, têm encontrado nas páginas dos livros um terreno fértil para criar suas obras-primas. Essa interseção entre arte e literatura é particularmente evidente no universo do rock. Onde aliás, artistas renomados e influentes encontram nas palavras dos escritores uma fonte de energia criativa para dar vida às suas ideias e composições.
Desde os primórdios do rock até os dias atuais, essa conexão entre música e literatura tem se manifestado de diversas formas. Aliás, alguns artistas do rock clássico, como Led Zeppelin, mergulharam nas terras fantásticas criadas por J.R.R. Tolkien, trazendo elementos épicos e míticos para suas canções.
Outros, como The Velvet Underground, exploraram então as camadas mais profundas da literatura, navegando por territórios sombrios e provocativos descritos por autores como Leopold von Sacher-Masoch. Já David Bowie, em sua genialidade artística, encontrou inspiração nas palavras proféticas de George Orwell, construindo um álbum inteiro baseado em sua obra. Assim, a relação entre músicos e escritores continua a florescer, resultando em colaborações frutíferas e na criação de verdadeiras obras de arte.
Neste artigo, vamos explorar essa conexão íntima entre 10 astros do rock e suas maiores inspirações na literatura. Prepare-se para mergulhar em um universo onde acordes se encontram com palavras, criando uma sinfonia de criatividade e emoção.
1 – J.R.R. Tolkien – Robert Plant (‘Ramble On’)
No mundo do rock, encontramos inúmeras referências na literatura que aliás, inspiraram artistas renomados. Um exemplo notável dessa interseção entre literatura e música é a icônica banda Led Zeppelin. Em seu álbum de 1969, “Led Zeppelin II”, tanto o vocalista Robert Plant quanto o guitarrista Jimmy Page expressaram seu amor por J.R.R. Tolkien, autor e filósofo, por meio da faixa “Ramble On”.
Nessa música, Plant leva os ouvintes em uma jornada às profundezas sombrias de Mordor, descrito pelo próprio Tolkien em sua obra-prima “O Senhor dos Anéis”. O narrador da canção é então enfeitiçado por uma mulher de cabelos loiros esvoaçantes. Revelando portanto, que “Ramble On” é menos sobre o mundo fantástico da Terra Média e mais sobre as imagens de elfas que o vocalista cria em sua mente. Vale destacar entretanto, que essa não foi a única vez em que Led Zeppelin se inspirou na obra de Tolkien. Outras referências também foram encontradas em outras músicas, como “Misty Mountain Hop” e “The Battle of Evermore”, presentes no álbum “Led Zeppelin IV”.
2 – Ayn Rand – Neil Peart (‘2112’)
Neil Peart, o renomado baterista do Rush, era conhecido não apenas por sua habilidade em fundir estilos musicais diversos, como hard rock, jazz e world music, mas também por sua habilidade como letrista principal da banda. Além de seu talento musical, Peart era um leitor ávido e cobria uma ampla gama de tópicos em suas letras, incluindo filosofia política.
No entanto, a posição de Peart como admirador da polêmica filosofia objetivista de Ayn Rand gerou controvérsias. Após o lançamento da música “2112” em 1976, que retrata a luta de um indivíduo contra um estado totalitário, Peart deu crédito a Rand por tê-lo inspirado nas notas do encarte do álbum “2112”.
Essa declaração entretanto, provocou uma reação intensa, especialmente por parte da imprensa britânica, que na época defendia o coletivismo. Peart recordou mais tarde: “Eles nos chamaram de ‘fascistas juniores’ e ‘amantes de Hitler’. Foi um choque total para mim”. Em resposta às acusações de que ele era devoto da ideologia objetivista de Rand, Peart afirmou que sua influência pelos escritos da autora não deve ser exagerada, afirmando que não era discípulo de ninguém.
Apesar das controvérsias em torno de suas influências filosóficas, Neil Peart deixou um legado inegável. Tanto na música quanto na escrita, com suas letras que abordam uma variedade de temas profundos. Sua contribuição como letrista e baterista talentoso continua a inspirar músicos e fãs ao redor do mundo.
3 – Lewis Carroll – Grace Slick (‘White Rabbit’)
“White Rabbit” do Jefferson Airplane é indiscutivelmente um dos hinos mais emblemáticos da contracultura. Escrita pela vocalista Grace Slick, a música celebra o amor generalizado pelo LSD que permeava o movimento hippie da época, mas com uma pitada sinistra que revela que nem tudo é paz e amor quando se trata dessa droga psicodélica.
Um verdadeiro mergulho em um universo alucinante, a música faz referência a dois livros notoriamente psicodélicos: “Alice no País das Maravilhas” e sua sequência “Através do Espelho”, ambos de Lewis Carroll. Há inúmeras alusões à prosa alucinatória de Carroll ao longo da música, incluindo o Coelho Branco, a “lagarta que fuma narguilé” e o momento em que a heroína se vê com três metros de altura. Grace Slick explicou que sua interpretação do coelho branco buscava capturar “a curiosidade” presente na história, proporcionando uma narrativa adequada para uma era impulsionada por experiências e experimentações.
“White Rabbit” é uma poderosa expressão artística que encapsula o espírito da época. Continua aliás, a ressoar com seu apelo provocativo e suas referências literárias únicas. A música exemplifica a capacidade da música rock de transcender as barreiras. Trasnmite portanto, mensagens complexas, estimulando a imaginação e convidando os ouvintes a questionar a realidade.
4 – H.P. Lovecraft – Carl McCoy (‘Last Exit for the Lost’)
Fields of the Nephilim, uma banda de rock gótico inglesa, é reconhecida como uma das mais influentes do gênero, mesclando elementos góticos, metal, industriais e psicodélicos para criar sua atmosfera única. Além disso, eles buscaram inspiração em várias obras literárias, com os escritos do infame ocultista Aleister Crowley influenciando alguns de seus primeiros trabalhos e a própria Bíblia fornecendo o nome da banda.
Um autor que desempenhou um papel significativo na concepção de uma de suas melhores músicas foi o pioneiro do terror, H.P. Lovecraft. Na faixa de encerramento do segundo álbum da banda, intitulado “The Nephilim”, chamada “Last Exit for the Lost”, o vocalista Carl McCoy faz então, referência à criação mais famosa e aterrorizante de Lovecraft, Cthulhu, a entidade cósmica que deu origem a todo um mito. Ele entoa: “Estamos nos aproximando, posso ver a porta / Cada vez mais perto, Cthulhu chama”. Essa linha também pode fazer alusão ao trabalho seminal de Lovecraft, o conto de 1928 intitulado “The Call of Cthulhu”, no qual Cthulhu é mencionado pela primeira vez.
A incorporação das influências literárias de Lovecraft pela Fields of the Nephilim demonstra portanto, a profundidade e a riqueza conceitual presentes em sua música, mergulhando em temas sombrios e misteriosos que ecoam o espírito do gênero gótico. Ao unir a atmosfera opressiva e as letras evocativas, a banda consegue então transportar os ouvintes para um mundo de horrores cósmicos e enigmas ancestrais, tornando sua música uma experiência intensa e envolvente.
5 -George Orwell – David Bowie (‘1984’)
Não é surpresa alguma que a influência da cultura popular esteja presente nesta lista, e David Bowie ocupa um lugar de destaque. Durante sua carreira, Bowie habilmente selecionou obras de arte de outros artistas, e ‘1984’ do álbum “Diamond Dogs” não foge a essa tradição, buscando inspiração em uma das obras mais importantes do século XX: o alerta antiautoritário de George Orwell, “Nineteen Eighty-Four”.
Escrita por Bowie em 1973, a obra de Orwell teve um impacto profundo na música e, originalmente, ‘1984’ fazia parte de um plano para criar um musical baseado no texto. No entanto, a viúva de Orwell, Sonia, recusou permissão para o projeto. Mesmo assim, a música ‘1984’, escrita como o ponto central da versão original em vinil do álbum, representa de forma intensa a prisão do protagonista Winston Smith e o interrogatório realizado por O’Brien, um membro temido da Polícia do Pensamento.
A escolha de Bowie em incorporar os temas e a atmosfera distópica de “Nineteen Eighty-Four” em sua música demonstra portanto, sua capacidade de explorar conceitos complexos e transmiti-los através de sua arte. Ao canalizar a essência do livro de Orwell, Bowie mergulha o ouvinte em um mundo sombrio e totalitário, provocando reflexões sobre o poder do governo e a manipulação da realidade. ‘1984’ é um testemunho da genialidade artística de Bowie, que usou sua criatividade e inspiração literária para criar um trabalho notável que ecoa além das fronteiras da música.
6 – John Steinbeck – Bruce Springsteen (‘The Ghost of Tom Joad’)
Bruce Springsteen que aliás, foi o porta-voz musical da classe trabalhadora americana, encontra inspiração nas obras de John Steinbeck. Este aliás, a voz literária dos oprimidos americanos do século XX, para dar vida a uma de suas músicas mais queridas. Essa música é ‘The Ghost of Tom Joad’; seu título e narrativa mencionam Tom Joad, o protagonista da obra-prima de Steinbeck de 1939, “As Vinhas da Ira”.
Além do livro, ‘The Ghost of Tom Joad’ também se baseia em ‘The Ballad of Tom Joad’, do compositor de protesto Woody Guthrie. Curiosamente, a peça de Guthrie foi inspirada na adaptação cinematográfica de John Ford do romance de Steinbeck. Springsteen estava totalmente imerso na história antes de escrever sua música, pois havia lido o livro, assistido ao filme e ouvido a música de Guthrie. Ele se identificou especialmente com o ativismo da década de 1930, buscando dar voz ao inaudito.
Embora ‘The Ghost of Tom Joad’ e o álbum de mesmo nome sejam situados na época em que foram escritos, eles também fazem comparações com a era contemporânea, assim como Steinbeck o fez em sua época. Springsteen canta: “Homens caminhando pelos trilhos da ferrovia, indo a lugar nenhum, sem retorno. Helicópteros da patrulha rodoviária subindo até o topo – uma sopa quente em uma fogueira sob a ponte.” Essa música captura a essência do espírito humano lutando contra a adversidade e continua a ressoar com o público, assim como a obra de Steinbeck.
7 – Ernest Hemingway – James Hetfield (‘For Whom The Bell Tolls’)
O Metallica, seja amado ou odiado, demonstra ter mais profundidade lírica do que muitas bandas em seu gênero. Especialmente aliás, em uma de suas músicas culturalmente mais significativas, ‘Por quem os sinos dobram’. Essa música recebeu título e inspiração do romance de 1940 de Ernest Hemingway com o mesmo nome. Como é conhecido, a história é baseada nas vivências do autor como repórter da North American Newspaper Alliance durante a Guerra Civil Espanhola.
A música do Metallica se baseia fortemente no romance de Hemingway, abordando o brutal processo de morte no combate moderno, cuja extensão foi evidenciada na Guerra Civil Espanhola. Além disso, há alusões específicas a uma cena do capítulo 27, na qual cinco soldados são dizimados durante um ataque aéreo em uma colina. Essa conexão com a obra literária mostra que há muito mais do que aparenta em James Hetfield e no grupo. Demonstra aliás, sua habilidade em trazer elementos de profundidade e narrativa para o mundo do thrash metal.
8 – Mikhail Bulgakov – Patti Smith (‘Banga’)
Patti Smith, a poetisa punk laureada, sempre teve uma profunda conexão com o mundo da literatura. É considerada aliás, uma das melhores escritoras de sua geração. Ela possui portanto, um amor tão profundo por um livro em particular, a sátira de Mikhail Bulgakov, O Mestre e Margarita, que deu o título ao seu álbum de 2012, Banga. A faixa de mesmo nome também faz referência a Pôncio Pilatos e seu cachorro, Banga, dois personagens importantes do livro.
Em uma entrevista para o programa CBS News Sunday Morning, Smith explicou então, o significado do título do álbum. Smit disse: “Para aqueles que estão curiosos, você pode descobrir o que é Banga se ler The Master and Margarita, de Bulgakov”. No romance, Pilatos frequentemente se queixa entã, de sua enxaqueca para seu cachorro, Banga.
Em uma postagem no Instagram, Smith legendou uma foto de Bulgakov no que seria seu aniversário, escrevendo: “Este é Mikhail Bulgakov, o grande escritor que presenteou a humanidade não apenas com um corpo de trabalho magistral, mas com uma verdadeira obra-prima – O Mestre e Margarita, que inclui a frase imortal ‘Manuscritos não queimam'”. Essas palavras destacam a importância e o impacto duradouro da obra literária na vida e na arte de Patti Smith.
9 – Leopold von Sacher-Masoch – Lou Reed (‘Venus in Furs’)
Lou Reed e The Velvet Underground foram verdadeiros pioneiros ao trazer uma sensação palpável de escuridão para a música. Originários de Nova York, eles trouxeram as histórias do submundo da cidade para os ouvidos de milhões de pessoas. Explorando assim, temas de sexo, drogas e uma abordagem rock ‘n’ roll da vida que tanto admiravam quanto causavam controvérsia.
Uma das músicas mais hipnóticas e sinistras do grupo é “Venus in Furs” de seu álbum de estreia em 1967, The Velvet Underground & Nico. Para dar vida a essa faixa sombria, o vocalista e compositor Lou Reed se inspirou no livro de mesmo nome do escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch, cujo nome aliás, deu origem à palavra “masoquismo”. A música aborda portanto, os temas sexuais do romance, como sadomasoquismo, escravidão e submissão, e faz uma referência direta ao personagem principal, Severin von Kusiemski. Em determinado momento, Reed canta: “Severin, de joelhos”. Essa fusão do mundo literário com a música ajudou a estabelecer The Velvet Underground como uma das bandas mais inovadoras de sua época.
10 – Patrick Süskind – Kurt Cobain (‘Scentless Apprentice’)
Kurt Cobain, o falecido líder do Nirvana, era um apaixonado por livros, e sua paixão pela literatura muitas vezes se refletia em sua arte musical. Um exemplo icônico disso aliás, pode ser encontrado em uma das faixas mais intensas da banda, “Scentless Apprentice”, do álbum In Utero lançado em 1993. A letra da música é baseada no romance “Perfume”, do escritor alemão Patrick Süskind, que era um dos livros favoritos de Cobain. Inicialmente entretanto, o vocalista não tinha a intenção de transformar sua leitura do livro em uma música. Mas quando a banda colaborou na criação da faixa, ele precisava de letras poderosas. Vale destacar que o baterista Dave Grohl escreveu o riff da música.
“Perfume” se passa na França do século 18 e conta a história de um órfão que nasceu com um olfato extraordinário, mas que não possui cheiro próprio. Ele é cuidado relutantemente pelas enfermeiras de um orfanato, que o consideram um filho do inferno, e acaba se tornando aprendiz de um mestre perfumista. As coisas tomam então, um rumo sombrio quando ele comete uma série de assassinatos para criar perfumes com os odores de suas vítimas. Essa narrativa sinistra e fascinante encontrou eco na intensidade da música do Nirvana, tornando “Scentless Apprentice” uma das faixas mais marcantes e literariamente inspiradas da banda.
Astros do rock têm mostrado uma forte conexão com a literatura ao longo dos anos
Desde a influência de Neil Peart do Rush pelos escritos de Ayn Rand até a paixão de Patti Smith pelo romance de Mikhail Bulgakov. Essas conexões revelam portanto, a riqueza e a profundidade das mentes criativas por trás da música. Através de letras provocativas e referências literárias, esses artistas transcendem os limites do entretenimento. Exploram temas universais como amor, política, filosofia e a condição humana.
Essas influências literárias contribuem assim, para a criação de músicas significativas e duradouras. Demonstram portanto, que a literatura e o rock têm o poder de se entrelaçar e enriquecer um ao outro. Essa combinação poderosa de música e literatura continua a inspirar e emocionar pessoas em todo o mundo. Sollidificam o lugar desses astros do rock como verdadeiros ícones artísticos.